segunda-feira, 27 de abril de 2009

Dia dos namorados.


Olhar vazio.Cansaço e insegurança. Alice não conseguiu dormir e a sua cabeça parecia guardar todos os problemas do mundo.

- Como fui burra! – repetia.

Chorou com o objetivo de inundar o quarto e fracassou. Normal. Ela sempre fracassava. Já havia perdido as esperanças de quase tudo. Agora chorava por ter de admitir que o único fio de otimismo que tinha para uma vida menos doída havia sido cortado. O amor tinha gosto de fel. Sentia-o frio como gelo e imaginou que amar era o maior precipício da existência. Chorava e, com raiva, gritava:

- Como fui burra!

E o seu apartamento ficou tão grande que poderia tranqüilamente engolí-la sem deixar nenhum rastro. E o seu coração quebrava em pedaços inertes a cada vez que fechava os olhos, pois, inconscientemente, revivia a noite passada e todos os seus tormentos. Alice sangrava de ódio, de impotência.

Doía pensar que os beijos tão doces que recebera foram os mesmos que uma outra recebeu. Chegava a ser cômico imaginar duas mulheres flutuando de amores pelo mesmo homem. Estava mais que claro que uma delas deveria sofrer. Sempre é assim. Traição é sinônimo de ressentimento, de dor e Alice misturava todos esses sentimentos em um copo e tomava de uma só vez.

Havia perdido todas as perspectivas. Seu orgulho estava ferido e talvez este nunca cicatrizasse. Tentou relaxar, tomou banho. Enquanto enxugava os cabelos, e ligou o rádio. Percebeu, com isso, que era dia dos namorados e tocavam derramamentos musicais a todo instante. Alice havia esquecido, mas o presente que daria ainda estava no armário. Romantismo desnecessário, pensou. Dera metade do seu salário do mês anterior para o presente dele.Dera bem mais do que imaginou, pois foi contra os seus valores. Renegou o sonho de ser digna de um lindo vestido branco. Tinha medo de perdê-lo e acabou se perdendo por isso, por ele. Ele que agora era indigno até do seu desprezo. De súbito, pegou o pacote enfeitado e jogou da janela do 6º andar.

- Como fui burra!

Desligou o rádio e sofreu mais. As lágrimas eram instantâneas e incontroláveis. Seu rosto parecia nem senti-las. Na escrivaninha ainda estava o porta-retrato com uma foto do casal. Não era uma foto antiga. Tinha, no máximo, dois meses. Alice gritou para o sorriso falso. Chamou-o de hipócrita.

Tinha certeza de que não agüentaria tudo aquilo sozinha. Enlouqueceria. Arrumou-se e encontrou uma solução simples: vingança. Sim, mostrava quem era a mais forte. Estando pronta, foi à cozinha e trouxe uma faca. Guardou-a na bolsa. Saiu. No carro imaginava uma forma rápida de fazer tudo. Teria de ser discreta. Ele pagaria cada sonho destruído, cada lágrima.

Chegou em frente ao prédio em que ele morava. Sorriu, pois lembrou que ainda tinha uma cópia das chaves. Foi ao apartamento. Faria uma bela surpresa! Entrou no quarto e sentiu o perfume dele. Imaginou quantas já estiveram ali, naquela cama, com ele. Lembrou dos juramentos que ele fizera. Prometeu um amor patético e duvidoso. O egoísta não consegue amar alguém a menos que esse alguém seja ele mesmo. Logo daria um fim a tudo, pois ele não faria aquilo novamente. Foi ao banheiro. Melhor esconderijo não havia. Dentro de alguns minutos ele voltaria e ela o esperava.

Alice sorria. Vingar-se-ia de uma vez. A dor que sentia teria, finalmente, um fim. Suas lágrimas não seriam em vão. Seu lamento cessaria e, quem sabe, a imagem de seu ex-futuro-noivo beijando a sua irmã ficaria menos nítida ou até desaparecesse. Os pesadelos que teve na noite passada seriam apagados porque ela os mataria. Dentro do banheiro frio e branco, Alice executou uma morte rápida. Ela matou o namorado. Sim, e da forma mais brusca possível. Matou-o sem piedade para não perder a coragem. Matou-o na mais profunda essência. Matou-o dentro de si mesma. E o banheiro do apartamento continuava frio, mas não estava branco como antes.

Ao chegar, ele viu a cena horrenda e sorriu dizendo:

- Como foi burra!

~ Palloma Soares.

4 comentários:

lagartaandante disse...

A pior traição nessa história toda foi a que ela cometeu a si.
Coração talvez ainda teria mais chances,e ela matou todas as esperanças possíveis.
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Texto perfeito minha Clarice.

Fernando Coelho disse...

Achei perfeito.Linda a forma que escreve... nos coloca na situação...nos faz querer ler mais. Parabénsssss!!

Tatinha Rodrigues disse...

Lindo conto! Bem interessante, nos deixa presos à leitura. Parabéns, Paah! Ps. Só descobri seu blog agora! Hehe! =P

Anônimo disse...

muito massa como tu escreve, meu!
é uma poesia em prosa
muito bom!!!
parabéns ;P