segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Facilmente complicado




Galatea Of The Spheres: Salvador Dalí

Eu sei que você entende tudo isso. Na verdade, acho que você pensa que fingir que me entende é mais fácil. E a culpa também é minha, eu sei. Eu faço com que você se sinta acuado, praticamente obrigado a me entender, mas não é simples. O meu espelho nunca esteve tão limpo. A verdade é pior do que você imagina: eu tenho medo do que conheço de mim. Por isso, na verdade, eu não me incomodo com o fato de que você me desconhece. Pelo contrário, acho até mesmo que é aliviante, acho que isso nos une de alguma forma muito estranha. Eu me traio de vez em quando dando brechas pra você me achar. Avise-me quando eu fizer isso, não deixe que eu o faça. Para que estejamos juntos é necessário que continuemos assim, completamente desconhecidos. Se você souber dos meus medos, amor, você vai fugir. Se conseguir contar as minhas mágoas, certamente irá chorar. E eu serei infeliz. Não quero que você me descubra. Não posso permitir que me despetale. Há um muro entre você e eu e este muro é nossa ponte. Estar perto de ti já me basta. Não me assuste mais perguntando quem sou. Eu já estou aqui e isso é o que importa. Não me faça voltar por medo das exigências. Fique comigo e não se importe com o meu passado, com as minhas contas, com o fim do mês. Não me pergunte da novela que eu não assisto, fale-me de você, só de você. Aqueles dias de agonia voltarão para perto de mim, eu sei. Eles sempre voltam, não é mesmo? Tenho medo de perder você no meio deles. Tenho medo de que eu me perca, de que eu sucumba. Aperta a minha mão e cala. Descobri que não ajuda em nada entender. Eu prefiro que não me conheça. Quero permanecer obtusa aos teus olhos, indecifrável. Talvez a minha validade se prolongue com isto. Talvez a minha vaidade insista em ficar um pouco mais. Esqueça tudo! Não se recorde do que sabe. Fique só com o que te deixa em paz. Saber é um tormento.


'Nothing compares, no worries or cares.
Regrets and mistakes, they're memories made'.



terça-feira, 19 de julho de 2011

Poema enferrujado

Eu sofro muito mais, oh, âncora de minha existência,
Sofro pois me transtornas, e me fazes parada da marrom folha;
E de Outono, calhou a caruma fresca, oleosa, inflamável,
És em todo rigidez para o meu corpo, que te jurei,
E calas na noite sobre a mesa, tampa a sombra silenciosa
No mastigar sonolento tua boca cheia.
Como sofro, Deus covarde, ele me estendeu como flor,
Caiou-me a casa e os entremeados da vida
Mas aos ventos sobram as lascas brancas a cair das paredes
E as arvores verdes se enferrujam no ritual em fim de Verão,
Meu perfume nada faz, o teu, desviou-se de intenções para mim,
É para outrem. Para outro corpo, um sopro em busto rosa...
Espero em meu corpo, curto em folego, no galego da seca folha,
Triste, em cardos, um gesto da mão esperançosa, que entre, nos sulcos do corpo,
E me traga de volta a vida, enfim, florida.

[Querido senhor] Paulo Valente

domingo, 15 de maio de 2011

Daquilo que se pode falar sobre as folhas...


Eu sofro muito mais! Sofro por não saber a que horas você vai voltar, ou mesmo se vai voltar. Sofro - de uma forma que nunca entenderá - quando penso que me beija e pensa em outra, em qualquer uma outra. Sofro com cada palavra que você pronuncia a fim de formar uma desculpa qualquer para me deixar por horas, por dias, para sempre. Sofro por saber, simplesmente pelo barulho que você faz dentro do quarto ao mexer nos perfumes, que é para ela que você se arruma - não mais para mim. Ah! Para mim só sobram as queixas, o silêncio de um jantar sempre solitário e o martírio de chorar em vão. O meu lamento é um castigo sem redenção. Eu te vejo e não me reconheço mais, porque você me faz passar por exatamente tudo que eu jurei não suportar. A minha alucinação é pensar que num dia qualquer você vai chegar em casa e eu vou te olhar e reconhecer você. Eu vou me reconhecer também. Eu sonho tanto com esse dia! Você me fazia tão bem antigamente! Por que mudou desse jeito? Eu atravessei na corda bamba para ir do céu ao inferno por você, com você. Tive que ver você mudar todos os dias, como um pesadelo, sem que eu nada pudesse fazer. Eu me desgastei demais na espera dos pedidos de desculpas que você nunca vai dizer. Eu sei que o meu amor foi folha de outono. Não me venha dizer que sente muito. Eu, no meio de toda essa bagunça, vou tomar meu coração destruído e, mesmo escondida, vou esperar ansiosamente por um dia que eu já vivi. Porque eu, com certeza, sofro muito mais.

sábado, 29 de janeiro de 2011

(...)



O semeador, Van Gogh.


Se por vários momentos tudo parece bem, basta apenas um minuto pra que tudo mude, tudo desmorone.
Se tua felicidade irradia, contagia, te move, tua tristeza é assim, introspectiva, calada, te deixa parada.
Não é algo que valha reparar, não é algo que vão lhe perguntar.
Esses olhos silenciosos, vazios, cinzas, sem nada mais a acrescentar.
Essa dor que te aperta, te rasga, te faz gritar.
Grito esse que não existe a não ser em sua mente, voz silenciosa.
Todos ao seu redor, nada ao seu redor, barulho, silêncio, vazio.
Essa sua mente que prega peças, engana, brinca.
Felicidade geral, vida plena?
Se apenas consegue sentir quando não estás feliz?
Vazio que nunca se transforma em cheio.
Poço fundo, talvez não tenha um fim. Como subir se não acabou de descer?
Como sumir se lhe falta aparecer?

Mãos vazias, cheias de coisas pra fazer.
E essa dor, que não se cansa de aparecer?
E esse amor, que já desistiu de tentar te convencer?
Cada vez maior, cada vez menor.
Maior a fome, o buraco.
Menor a vontade de alimentar.

O sol amarelo, as folhas verdes, tudo em sua perfeição e sintonia.
Se não se sentes parte disso, então o que seria?
Se a vontade de andar de repente partisse e ficasse cada vez mais difícil?
Cenário lindo, perfeito, magnífico.
Mas me diga: quem entenderia?
Digo-lhe com certeza: eu não seria.

- [Minha querida] Bruna Figueiredo

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Toujours

O que me consola é pensar que o gelo derrete. As moléculas tomam um novo arranjamento, e a matéria muda de forma, no final das contas. O amarelo da tarde no fundo do quadro insiste em me induzir ao sentimento de perpetuação, de continuidade insana e descontrolada, de medo. As palavras parecem doer e crescer de forma tão absurda que não conseguem tornar-se, enfim, sonoras, compreensíveis, claras. O escuro do silêncio consegue me entender. Só a neblina é capaz de me vestir adequadamente. As risadas, como quase sempre, são falsárias, esnobes. As pessoas, então, quase completamente desnecessárias. É o efeito do entorpecente. Loucura é esperar uma dor mais forte na próxima vez, mas duvidar da capacidade de suportá-la. É encarar um iceberg crendo firmemente em um desgelo rápido. Afinal, o que me consola é pensar nisso.

'One day I'm going to grow wings.
A chemical reaction
hysterical and useless.
Hysterical and ...'